sábado, dezembro 07, 2013

Finitude: uma certeza

Desde o início de nossas vidas somos convidados a lidar com frustrações e perdas. A primeira frustração significante para um ser humano começa em seu primeiro contato com o mundo, assim, diz-se que o abandono do ambiente aconchegante que o ventre materno oferece, parece bastante doloroso para um recém-nascido. Com o passar dos dias e ao longo de todo o desenvolvimento humano, torna-se necessário o desenvolvimento de diferentes comportamentos que visem à adaptação ao meio e esta adaptação muito provavelmente implicará em diferentes abdicações e sofrimentos; torna-se necessário conhecer o modo de funcionamento do ambiente em que se está inserido e agir em conformidade. Apenas com estas concepções pode-se dizer que um indivíduo experimenta desde o começo da vida e por todos os seus dias, experiências positivas e negativas, frustrações e conquistas.  Assim como o nascimento está relacionado com a certeza de vida, de crescimento e desenvolvimento, a ele se atrela a convicção de que esta vida será finita. Pode-se dizer então, que desde o nascimento começa-se a morrer, há um ponto de chegada comum a todos e o que diferencia são os caminhos percorridos. Inicialmente esta colocação pode soar mórbida demais, no entanto parecer ser bastante coerente quando entendida a trajetória da vida e o ponto comum a todos os seres humanos.
E o primeiro contato com a morte está na procura deste ponto comum: nascemos da mesma forma e ninguém será eterno. É interessante compreender que a noção da morte é extremamente idiossincrática, cada ser humano terá um contato diferente e compreenderá esta finitude de uma forma. A noção de que nada é eterno começa a ser desenvolvida desde cedo, nas primeiras experiências de uma criança. Diferentes eventos colaboram para esta construção: a separação da mãe que permanecia a maior parte do tempo próxima; a troca do ambiente familiar pelas primeiras experiências escolares; a troca de amigos e de vínculos; o abandono da chupeta, do paninho ou do objeto que lhe ofereceu segurança etc. A morte de um animal de estimação, até a perda de um brinquedo ou falecimento de algum ente querido, são acontecimentos que podem favorecer o primeiro contato com a finitude alheia, e também a própria.
E por mais que todos os eventos já citados sejam recorrentes na vida de quase todos os indivíduos, essas experiências acontecem de forma muito particular, e todas essas perdas devem ser interpretadas de forma diferente para cada indivíduo, visto que o contexto e a realidade em que este fato ocorreu podem influenciar diretamente nesta compreensão. A perda de um primeiro animal de estimação será sentida de diferentes formas, por diferentes indivíduos, podendo significar mais ou menos para um ou para o outro, a depender do tipo de relação que era estabelecida com ele. O mesmo acontecerá com cada experiência de morte que um indivíduo passará ao longo de sua vida, nenhuma delas será igual a outra, por diferentes aspectos. Pode-se assim dizer, que nem toda perda é dolorosa e nem toda morte será extremamente sentida. Portanto, torna-se extremamente importante a compreensão da relação estabelecida entre os que ficam e os que vão, para que o luto seja melhor compreendido.
Como todo o fenômeno que permeia as relações humanas, a experiência de morte também deve ser contextualizada. Entender como o indivíduo se relaciona com frustrações e perdas possibilitam ferramentas que muito favorecem a compreensão da ausência ou presença do sofrimento de quem perdeu alguém. Outro elemento importante que favorece a compreensão deste fenômeno consiste no entendimento das representações que o ser humano é capaz de devotar a alguém, figuras idealizadas são típicas nas relações humanas e normalmente a perda destas representações é o impulso para muito sofrimento.
Explorando um pouco mais os elementos citados acima é preciso sinalizar que muitas relações estão fundamentadas em alto grau de dependência entre ambas as partes, e a morte de algum elemento desta relação, pode significar a perda de muitos ganhos e o não acesso a muitas experiências positivas. Então, é extremamente compreensível o sofrimento de um indivíduo que vive o luto de alguém que lhe oferecia diversas vivências positivas e se tornou referência para a realização de muitas coisas. Certamente quem sofre tem em si diferentes sentimentos como o medo, a insegurança e a falta de repertório para continuar a se relacionar com um mundo que anteriormente era visto somente sobre uma ótica. Normalmente a falta de repertório assusta consideravelmente um indivíduo durante o luto, é como se toda sua realidade tivesse que se adaptar a uma nova configuração, que contará com a ausência de alguém que muito lhe referenciou durante a vida.
            Não se pode descartar também o impacto causado pelas representações construídas sobre outra pessoa, sobretudo as idealizações, que de forma inconsciente, acabam por afastar aspectos negativos do outro que em certa medida poderiam gerar sofrimento. Estas idealizações podem impactar tremendamente quando na ocorrência de uma morte, de modo que poderá dificultar o processo de aceitação e na mobilização de elementos que façam com que a vida continue na ausência desta outra pessoa. Desta forma, é preciso dizer que o modo como são construídas determinadas relações refletirá muito no enfrentamento e na compreensão da morte. É inegável que muitos falecimentos soam como alívio para muitas pessoas. Nestes casos a morte representa o fim de sofrimentos e outros diversos sentimentos ruins gerados por outra pessoa. Entende-se então, que a morte não deve ser vista apenas como um elemento negativo, capaz de gerar apenas o sofrimento. Muitas das vezes a ausência de alguém pode significar a abertura de novos horizontes e possibilidades para os indivíduos que se relacionavam com este.
            De modo geral a morte está ligada a um enfrentamento doloroso quando se analisa relações mais simbióticas e mais dependentes.  Muitas das perdas são encaradas de forma negativa, mobilizando sentimentos que negam a realidade e tornam mais dolorosas as novas tentativas de mudança. Nota-se muitos comportamentos de fuga, que tendem a atrasar a adaptação a nova realidade. O mesmo acontece para o indivíduo que sente sua morte próxima, muitas vezes por diagnósticos médicos que tenham maus prognósticos. Nestas condições os enfrentamentos são diversos e únicos, há quem se volte contra todos e contra o mundo e há quem tente lidar de forma saudável com a nova realidade. Outra parcela também afetada é a família, que após diagnósticos difíceis passam a lidar com a incerteza do dia seguinte e a impossibilidade da realização de planos e idealizações.
            E dentre as excentricidades de cada individuo, outro aspecto de fundamental importância gira em torno dos elementos culturais, das práticas religiosas, da concepção de mundo e de homem e das crenças que cada indivíduo possui. Todos esses elementos influenciam na construção do repertório comportamental de cada ser humano, garantindo a idiossincrasia de cada um. E toda esta individualidade torna mais complexa e estende ainda mais a tentativa de compreender a morte. Aspectos religiosos muitas vezes favorecem a partida de uma pessoa por oferecer a concepção de que a alma encontrará a salvação ou o caminho da luz; ao passo que também torna penosa por dar margens à possibilidade de uma condenação, fazendo referência ao inferno. Outras crenças dão subsídio e sustentam o indivíduo que sofre, alegando que o que aconteceu fora a melhor opção, pois alguma entidade divina a escolheu. Entre outras explicações e discussões acerca destas práticas, pode-se dizer que estes elementos influenciam diretamente tanto no modo como lidar com a morte do outro, como também no entendimento da própria finitude. Por isso, compreende-se que o modo como o indivíduo lida com frustrações e perdas impacta diretamente em seu enfrentamento da morte.
            E nesse sentido, é extremamente ousado dizer que a morte não acontece somente da forma tradicional que se prega: ausência de batimentos cardíacos, velório e sepultamento. A morte pode acontecer também em vida, quando um ser humano é acometido por uma doença que lhe torne extremamente incapaz de interagir com o mundo e com os outros. Esta realidade é geradora de muita ansiedade, pois torna os familiares incapazes de reverter o quadro clínico, além de mobilizar diferentes sentimentos diante da possibilidade de favorecer a morte natural do outro, quando no desligamento de aparelhos mantenedores da vida. Muitas destas doenças causam a perda de elementos da identidade, tornam o doente dependente e necessitado do outro, excluindo suas vontades e individualidades. Perdas de memória, demência, transtornos psicológicos, entre outras patologias podem ser produtoras desta anulação em vida, e muito fazem sofrer.
            Como dito, o desenvolvimento da vida humana tem um ponto previsível e culminará para todos neste mesmo ponto. O envelhecimento aponta um declínio de diversas habilidades e eficiências, bem como mudanças corporais, motoras, comportamentais e reconfigura a influência na sociedade. Todas estas mudanças aproximam do ser humano a noção de finitude e torna mais recorrente os pensamentos acerca da morte. O indivíduo que envelhece passa a realizar inúmeras avaliações, executa diversos julgamentos, aspectos que podem gerar sentimentos de insatisfação e arrependimentos. As benfeitorias são avaliadas, bem como as produções que deixou durante toda sua trajetória. Todos esses elementos também corroboram uma negativa visão da morte ou influenciam na ideia de que a morte é uma boa opção, visto que na velhice não terá as mesmas funções que anteriormente. Neste sentido, entende-se que o envelhecimento também favorece o pensamento sobre a noção de finitude, pois a torna mais próxima da realidade deste indivíduo.
            E por mais que sejam discutidos diferentes elementos, a morte é e ainda será uma dos fenômenos mais inexatos da vida humana. Extremamente contraditória e inesperada, ela pode ser instigante e amedrontadora. Entretanto, é importante que seja discutida a partir de diferentes óticas, a fim de que sejam levantadas hipóteses e concepções capazes de beneficiar a vida. Muitos dos comportamentos frente à morte não podem ser previsíveis, por vezes são extremamente impensados, para tanto é interessante que se compreenda a construção do repertório comportamental de cada um. Como as frustrações são enfrentadas? Como o manejo de situações difíceis é conduzido? Quais são os arranjos possíveis para que a vida continue em detrimento do outro que se foi? Como lida com as limitações pessoais? O que o outro lhe representa?
E, sobretudo, como continuar?



segunda-feira, novembro 04, 2013

A vida em vista

Há muito tenho pensado sobre os altos e baixos que nossos sentimentos e emoções passam. E, de modo muito particular, esses altos e baixos se alternam de formas e ritmos diferentes nos meus e nos seus dias.
Pensei nas vezes que me senti triste e no pouco que me sobrava para ter vontade de levantar e continuar.
Pensei nas vezes em que me senti brava e nas palavras pouco ponderadas que eram soltas na ocasião.
Lembrei-me das risadas incontroláveis que não pude segurar. E dos sorrisos discretos, ao caminhar na rua, sozinha, exalando felicidade.
Revivi a angústia do medo e do temor, aquele que é capaz de me fazer tremer as mãos ou botar-me escondida sob as cobertas.
Senti a ansiedade fria, congelante que me acometeu em diversos momentos. Que congelou minha mão e me fez adiar decisões.
Relembrei das decepções que chegaram de supetão e cobriram com neblina a confiança e as verdades construídas.
Excitei-me ao lembrar do frio da barriga promovido pelos momentos mais extasiantes, arrepiei-me.
Recobrei os momentos em que deveria sorrir e não o fiz; que deveria chorar e não derramei uma só lágrima; que deveria discutir e preferi evitar; e que deveria fazer mas adiei.
E pensando em toda esta diversidade, talvez tenha chegado a uma possível consideração: tudo tem sua função, mesmo o choro, o sorriso, o medo, a ânsia, a raiva e todas as outras combinações que são tão típicas de nós humanos e, diga-se de passagem, sabemos muito bem como complicá-las.
Estas funções podem ser diversas e combinadas em diferentes momentos, mas creio que não devemos adiá-las.
A maioria dos adiamentos que cometemos podem estar intimamente ligados à ruim tendência que temos de não perceber o hoje, o momento, o agora.
Preocupações sempre voltadas para frente ou para trás, poucas vezes para o direção do hoje; ocasionando em perdas de intensidade e de sensações.
E talvez o segredo para não perdemos a vida, vivendo-a, é permitindo-nos sentir o que nos acomete em cada momento.
Chorando quando necessário, mesmo que seja somente para molhar o travesseiro ou adquirir olheiras.
Discutindo para evadir a raiva, mesmo que depois de horas de discussão tudo acabe em pizza.
Utilizando da decepção para repensar e sentir que tudo o que fez foi errado e, quando acordar, perceber que não dá para mudar tudo, por isso optar por mudar o visual.
Permitindo que a barriga doa de tanto gargalhar, mesmo que o ambiente não permita e, que as pessoas lhe estranhem, mas simplesmente pelo prazer de ceder ao sorriso.
Arrepiando-se quando o contato for sutil, doce e avassalador, mesmo que a razão não conceda e tente negar.
Esquecendo os problemas, os prazos, as cobranças, o status e as obrigações, por um minuto, um dia, ou uma tarde apenas.
Sentindo o frio na barriga, o medo, o buraco no estômago e todas as incertezas, mesmo que seja para provar o quão incontrolável as coisas podem ser.
E por mais que tudo soe como ideal ou simplesmente pareça a vida perfeita, quero retirar a utopia de minhas palavras e trazê-las para a realidade.
Quero simplesmente dizer que me parece importante permitir que os gerúndios estejam no presente, como eles devem estar. De modo a não perder os dias simplesmente por entre os dias; e mantendo a vida em vista. Permitindo.
Validando-a.


domingo, setembro 22, 2013

Ingrediente perigoso

Experimentamos tantas sensações ao longo da vida e cada uma delas tem uma representação muito particular para quem a sente. Nossos enlaces são carregados de diferentes sentimentos e estes podem ter conotações diferentes para os atuantes de uma mesma relação.
Um sorriso não tem o mesmo significado para ambos; um choro pode ser mais intenso pra um do que para o outro.
Uma mãe pode monitorar mais seus filhos alegando intenso amor, ao passo que um pai prefere deixá-los livres jurando o mesmo afeto. Acredito fortemente que não há receitas, tampouco protocolos, acerca dos sentimentos. São todos idiossincráticos para quem o sente, produtos de uma história (que é inédita) e formados por aspectos diferentes.
O fato é que há variáveis perigosas dentro das relações humanas. Variáveis que podem, em certo grau, tornar essas relações (de qualquer ordem) pesadas e repletas de associações negativas.
Nossa capacidade de se relacionar e a necessidade de realizar trocas favorecem a miscigenação de diferentes vidas, gostos, comportamentos, costumes, medos, manias... e é aí que mora o perigo! Estranha e egoistamente somos tentados a implantar no outro as mesmas práticas que temos, quando não, somos tentados a modificar o outro a fim de melhor controlá-lo.
E veja só, como o ser humano adora controlar, não é mesmo?
Acredito que não exista exímio de todo o controle, não somos totalmente livres, conforme pregam os textos de autoajuda, nem sequer estamos à margem da tentação de controle. No entanto, acredito que como tudo na vida, os temperos devem ser equilibrados, nada de radicalidade.
E dentre estes temperos, vejo o recipiente de Ciúme, que para alguns é um sabor indispensável, mas que pra mim estraga a receita. Há muito tenho pensado sobre isso, e por tanto pensar não sei bem como classificá-lo. Se me pedissem para listar alguns sentimentos, talvez conseguiria, diria alguns. Mas se me pedissem para classificar o que verbalmente chamamos de Ciúme, não saberia. Não me parece um sentimento, muito provavelmente diria que á uma mascarada forma de controlar. Digo mascarada porque na maioria das vezes está inserida em um discurso do tipo "Faço isso porque te amo!". Não me atrevo a dizer que a frase é mentirosa, do contrário excluiria toda minha fala de que os sentimentos são produtos de uma história e únicos para quem o sente. Talvez esse seja mesmo um comportamento que se encaixe concepção de amar, para quem o vive.  No entanto, quero ser mais objetiva.
Os comportamentos que são ditos como ciumentos são cheios de restritividade, sem contar o alto grau de sofrimento que vem embutido neles, para ambas as partes. Quero me ater a todos os tipos de relação, de todas as ordens, até mesmo com objetos. Em relações assim, cheias de ciúme, não há anulação do sofrimento: quem comporta-se como  ciumento sofre pois, a todo momento tende a tentar controlar; e quem recebe o ciúme sofre por a todo momento estar monitorando-se e abrindo mão de suas próprias práticas. Uma mãe que tende a controlar seu filho excessivamente restringe-o de experimentar diferentes estímulos que são importantes para seu desenvolvimento, o que o fará sofrer em certa medida. Da mesma forma esta mãe sofrerá também, caso suas tentativas de controle sejam falhas, caso o filho comporte-se da forma não esperada por ela, bem como pela obsessão e vigília constante. O mesmo exemplo se aplica a um relacionamento amoroso, no qual há uma forte tendência de abrir-se mão de práticas costumeiras, de hobbies, de amigos, de gostos, para agradar o outro, garantindo de certa forma um imaginária linha de segurança.
E a segurança é uma variável importante quando pensamos neste algo inclassificável que é o Ciúme. Talvez a restritividade tenha relação direta com a insegurança de uma das partes da relação, que tenta a todo momentos manter o controle da situação, a fim de excluir a aversividade das sensações que esta insegurança pode lhe causar. Uma intensa dose de ciúme parece chegar a anular os comportamentos característicos de uma pessoa, modifica seu modo de funcionamento, restringindo seu repertório às possibilidades que o outro impõe.
A mim não há saúde nisso!
Aceitar o ciúme é entregar-se ao controle excessivo do outro. Veja bem, não quero idealizar uma relação que abstenha-se do controle. Mas entendo que uma relação saudável é aquela em que ambas as partes compreendem que existem coisas que são incontroláveis. É aquela que permite ao outro comportar-se como sempre se comportou, entendendo que as mudanças podem e vão ocorrer naturalmente a partir desta interação. É aquela que respeita a idiossincrasia do outro, que partilha e colabora. É aquela que associa-se a bons estímulos e não ao medo. É aquela nem doce nem salgada demais. É aquela nem quente nem fria. É aquela que permite-se buscar o equilíbrio. É aquela que entende o ir e vir. É aquela discute e busca o consenso.
Talvez seja agridoce... Talvez não seja simples... Talvez seja sutil... Quem sabe um misto ou pouco apimentada... Talvez com menos 'eu não quero' e mais 'eu entendo'.
Assim parece-me mais consciente.
E você, o que tem tentado controlar ultimamente?
Compreender a vida e suas limitações garante dias mais bem vividos, pessoas mais satisfeitas e quem sabe mais 'leves'. E este exercício acontece a partir de pequenas coisas, a partir de nossas primeiras relações, nossas primeiras experiências.
Começa a partir do momento que entendemos que o sol não brilhou hoje, mas a chuva... Ah! Ela veio incontrolavelmente.






domingo, setembro 08, 2013

(In)certeza

Quantas coisas na vida nos fazem ter certeza de algo? Nem o céu estando cheio de nuvens escuras garantirá que a chuva é certa. Juras de amor não garantirão a fidelidade. Nem abraços apertados excluirão a partida.
Uma troca intensa de olhares não traduz literalmente todo um pensamento. Nem uma previsão de comportamento garante sua ocorrência.
Raríssimas vezes levantamos a voz e gritamos "Isso é lógico!", exceto aqueles que se sentem cheios de uma verdade ilusória. A cada vez que esta frase é proferida, ecoa com ela a impossibilidade de outras verdades; ela é restritiva, delimitadora e, em certa medida, subestima quem a ouve.
É interessante que estas palavras são ditas quando estamos vestidos de uma certeza implacável; certeza esta que confere um achismo de que é inerente que os outros a tenha também. Mas não. O que me é lógico, pode ser totalmente desconhecido ao outro e o inverso é verdadeiro.
Previsões são sempre previsões e mesmo que certeiras, há sempre a possibilidade de não ocorrerem ou de mudarem e surpreenderem. Surpresas podem deixar de ser surpresas, bem como o que era certo pode surpreender, assim, ilogicamente. Não sabemos das experiências do outro, nem de todos os eventos a que foi exposto, por isso acredito na premissa de que o "é lógico!" deve ser ponderado, quase nunca usado. Digo quase nunca, pois hora ou outra deitamos arrogantemente num mar que extravasa certeza, de um modo tão tipicamente humano!
Quem sabe, talvez, quando somos convidados a viver somos também convidados a lidar com as imprevisibilidades. Afinal, a vida é cheia de sabores e dissabores, álgebras e sintaxes, aspirações e equações, Baskara e predicados, poucos totalmente certos e quase nenhum totalmente errado. Tudo parece ser relativo. Dinâmico. Nada lógico!
Digo isso assim, com uma terrível (in)certeza.

segunda-feira, julho 29, 2013

Além de nós

"Essa dor nunca vai passar, dói demais!"
Quem nunca ouviu uma frase como esta e se compadeceu de quem a dizia?
E mesmo ouvindo-a com toda caridade não pôde mensurar o peso que aquelas palavras carregavam. Difícil sentir tudo isso.
Já ouvi dizer que a dor do parto é a mais doída, também ouvi que a dor do primeiro tombo de bicicleta e da primeira transa são inesquecíveis. Dizem que a dor da abertura de um canal é incomparável, e que bater o dedo mínimo do pé em um móvel é alucinante.
Os conselheiros dizem que a dor de ver alguém amado partir é aguda, tinhosa, e que a solidão é agonizante. Uma mãe diz que sua maior dor é ver o filho sofrer.
Para um homem, dizem que a dor mais sentida, é a dor do fracasso.  E talvez para os mimados o que mais dói é a contradição.
São tantas dores, por diferentes causas, diferentes sensações e apenas uma certeza: não há dor maior.
Há a dor que se sente, tão única e puramente. Há apenas a dor que agoniza, que faz chorar, que dá náuseas e interrompe noites de sono. Que atrapalha sonhos e provoca medos. Há apenas aquela dor que os poetas dizem sentir no coração e aquela dor que os médicos dizem se alojar no corpo.
Não há dor mensurável; não há dor compartilhada; não há dor transferida e nem dor roubada. Há a dor aguda, egoísta, expansiva, às vezes cega e voraz.
Há a dor que podemos sentir. E aquela que tentamos ver.
Esbarramos em dores alheias que nos fazem repensar as nossas próprias. E oferecemos nossos lamentos para que o outro possa repensar os seus próprios. Falamos de dores para nos sentirmos próximos de um semelhante. Falamos de dores para nos igualar.
Dizemos que doeu para fugir. Mentimos a dor para fazer chorar.
Sorrimos para esconder a dor; gargalhamos para ela passar.
Às vezes ela se vai. Por vezes fica acomodada. Outras vezes permite-se ser expulsa. Algumas vezes não arreda o pé, é a última a sair.
Nesta tarde, talvez eu tenha visto a dor do corpo e do coração juntas, atreladas. Não era em mim, era externa, era num grão de gente que possui imensa humanidade.
Uma dor invasiva, ameaçadora.
Não pude compreender estava além de mim, além de você. Compadeci.

quinta-feira, julho 11, 2013

Sublime

Um simples piscar, um leve cochilo ou um momento sereno pode dar asas a inúmero pensamentos.
Num misto de fragilidade e ousadia ela atrai olhares diversos, interesseiros, admiradores. Sua maciez encanta, oferece calmaria, faz com que muitos se aproximem e ousem manuseá-la. Inofensiva, tímida e amedrontada cria defesas naturais, tão óbvias para si mesma que as enxerga como parte comum de sua essência. Decora jardins, mesas, festas, fotos. Durante a noite ou pelo dia. Promove encontros, surpresas, reconciliações. Machuca os dedos, busca ousadamente o vermelho amargo do sangue. Assim pude degustar o porquê da minha admiração pelas rosas, sobretudo as vermelhas, elas me encantam! Compreendi o mistério e o misto. Senti a intensidade e a leveza. Enxerguei a beleza e a fúria. Admirei a docilidade e a voracidade. Identifiquei-me sublimemente.



quarta-feira, julho 10, 2013

Monólogo (Quarto conto)

Um campo, uma árvore, a ventania.
Este era o cenário que dava berço a diversas tardes daquela garota. Aquelas tardes em que quietinha ficava sobre as raízes da árvore, ensimesmada.
Dali podia ver a linha do horizonte, marcada por aquele campo vasto. Podia sentir o vento dar um nó, bagunçando seus cabelos compridos, e o calor do sol fazer tremer a paisagem. Dali podia sentir-se, falar-se, amar-se e odiar-se. Tudo intensamente, timidamente, livremente... ela estava só. Ali estava o cenário perfeito, a paisagem de um quadro bonito, um foto intrigante e sublime.
 Minutos, horas, longas tardes, algumas manhãs, poucas noites. Esse foi o tempo em que a garota despendia naquele cenário. Tempos que lhe davam a oportunidade de sentir o sopro, não do vento, mas de si mesma. Um sopro inquietante, daqueles que tira o ar por um tempo, que conserta e desconserta, que compõe e descompõe. Podia sentir o pulsar de seu coração e o ritmo que tocava. Ela era pequena aos olhos do outro, pouco lhe levavam a sério. Menor parecia naquele campo, mas nunca deixava de sentar sob a árvore.
Os anos passaram, muitas copas da árvore foram trocadas. Muitos outonos e primaveras foram vividos, no entanto, ela nunca deixara de visitar seu cenário preferido e contemplar suas cores, que pareciam diferentes a cada estação. Para ela o tempo também passava e junto desta passagem sentia que suas cores também mudavam, ora reluzentes, ora opacas.. aprendia a lidar com elas.
Não era mais um garotinha, estava no momento em que todos lhe pareciam incômodos demais. Essa foi a época em que mais visitou seu cenário. Fora uma época em que o vento parecia mais turbulento, o horizonte mais distante e as raízes da árvore pouco confortáveis. Mas permaneceu ali, constantemente.
Na verdade pouco entendia por que frequentava aquele campo. Sabia que ali se sentia calma, mas também sabia que todo aquele silêncio lhe causava muita irritação, e nesses momentos lançava pedras com mais força, como numa tentativa de expulsar o que lhe incomodava. Mas não era a pedra, ela sabia.
Durante um tempo pensou em abandonar aquelas visitas, havia cansado de encenar aquele monólogo e tinha enjoado daquele cenário.
Continuou crescendo, os anos difíceis de rebeldia tinham sido superados. Outros conflitos lhe eram propostos, outras pessoas lhe afetavam, seu olhar era mais intenso. Tudo estava mudado, sentia saudades daquele cenário, aquele campo, aquela raiz incômoda. Enfim, revisitou seu lugar, aquele que passara tanto tempo há anos atrás.
Tomou coragem e reviveu sensações intensas e organizou suas novas percepções, medos e angústias. Ela estava sob a árvore que agora lhe parecia menor do que de costume, tinha pedras na mão como sempre fizera. Era uma tentativa de se encontrar novamente, poder conversar consigo mesma. Voltou a soltar palavras ao vento e mesmo que ele as levasse para longe, dentro dela elas pareciam voltar tratadas e mais ricas de sentido. Adorava falar para si mesma e para o horizonte. Sentiu novamente o vento bater em seu corpo e seus medos se arrepiarem. Gostava daquela sensação, daquela solitária sensação de estar consigo mesma. Sentiu por não poder frequentar aquele lugar como antes o fazia; sentiu por não poder sentir-se, falar-se, amar-se e odiar-se como antes...
Ali, naquele campo, pôde entender o real sentido de todas suas visitas solitárias e a vontade de sempre voltar até lá. Descobriu que havia uma forma de organizar-se, mesmo que aparentemente, e era assim, na sombra da árvore, sob as nuvens andantes.
Lamentou profundamente por não poder estar mais ali, deixou-se rolar uma lágrima. O céu já estava escurecendo, o sol já havia se posto. Era hora de ir. Voltar para o mundo que não é só seu, que é de tantos outros. Levantou-se e despediu-se daquele lugar que a colocava de frente com alguém que lhe era tão familiar, ela mesma.
Andou passos calmos, pesados e lentos, distanciando-se do palco de seus monólogos. Quando longe estava, fitou aquela paisagem para não esquecê-la posteriormente. Queria aquele lugar sempre em sua lembrança. Já distante, mas não menos pensativa, percebeu que aquele cenário se fazia vivo a cada momento em que se propunha estar consigo mesma. Percebeu que era capaz de fazer viva aquela árvore, mesmo que fosse em outro lugar.
Entendeu que o tempo todo aquele campo representava o tempo, vasto e mutável; aquele vento seus pensamentos, que ora eram calmos, ora avassaladores; e aquela árvore era ela mesma, uma garota, uma moça, uma mulher.
Aquele lugar agora lhe fazia sentido. Talvez ele nunca tivesse existido; muito provavelmente ele nunca existiu.
Era sempre ela. Somente ela. Buscando, em sua condição de árvore, encontrar um vento que lhe podasse calmamente, que suavizasse a transformação.
Era ela, seu próprio palco: o campo, a árvore e a ventania.












segunda-feira, julho 08, 2013

Uma pausa: a saudade...

Há muito tenho notado que por diversas vezes em uma mesa de bar, uma roda de amigos, a dois ou sozinha,  me pego divagando acerca do que é a Saudade.
Como quase todas as coisas na vida, esse é mais um elemento que utilizamos em nossas conversas, nossas juras de amor, nossas declarações, nosso dia a dia e que pode ter um significado muito particular para cada um.
Talvez o meu conceito de saudades distancie-se do seu, e estes conceitos difiram de um terceiro. Eis a dúvida: será que todos sentimos saudades?
Talvez sim, talvez não. Torna-se quase impossível responder a esta questão,  visto que cada um tem um modo muito particular de viver e se relacionar com o mundo. E esse modo de funcionamento tão particular, que faz alguém sentir ou não saudades. Acredito nisso!
Possivelmente muitas variáveis devem ser observadas se quisermos analisar a saudade. Desde a forma como nos relacionamos com alguém/algo, o momento em que esta relação acontece, o produto desta relação, até o que este elemento representa. Ao discriminar tudo isso, fica evidente a tarefa desafiadora que estou tentando me aventurar, agora.
Não quero que este texto esgote todas as possibilidades acerca da saudade, longe disso, quero apenas me arriscar em algo que me intriga o suficiente para dissertar.
Coração apertado, vontade de ter próximo, idealizações, lembranças recorrentes, falta da presença, essas são sensações características do que eu intitulo como Saudade. Devo dizer que tudo isso pode estar relacionado a falta de uma pessoa, um animal, bem como um objeto, visto que durante a vida nos relacionamos com muitos objetos que devotamos grande representação, e é extremamente normal que sintamos falta de algo inanimado.
É importante atentar-se ao fato de que muitas coisas deixam saudade justamente pelo momento em que elas foram experenciadas. A latente necessidade (privação) de algo, o torna tão mais atraente e necessário, de modo que em momentos similares a esta privação, dizemos que precisamos disso, em outras palavras... que estamos com saudades. É possível que esta comparação tenha sido um pouco radical, e que a a necessidade de algo não seja sempre geradora de saudade, mas provavelmente a saudade seja a estranha e avassaladora vontade de ter algo.
Percebi também, que com a passagem do tempo e consequentemente, com a mudança de nosso ambiente, algumas coisas que antes não tinham grande significado, passam a fazer grande falta. É como aquela velha sensação narrada pelos idosos: "Eu era feliz e não sabia! Que saudade daquele tempo!". Isso deixa claro que estamos sujeitos a sentir saudades de coisas que atualmente julgamos pouco importantes.
Ah! Mas que complexo tudo isso!
O que será a saudade, afinal? Será um sentimento, um estado, uma sensação?
Quem saberia responder?
Poetas tentam a todo momento, rabiscam versos e compõem músicas. A sentem latente e pulsante e até ousaram dizer que sentem saudades do que não viveram. Adolescentes dizem senti-la a todo momento estranha e deliberadamente, queixando-se da falta de diferentes coisas e pessoas.
Eu ouso rabiscar meus pensamentos e traduzi-los neste apanhado de palavras, pouco conclusivas e talvez errôneas, mas minhas. Busco entender o que me causa saudades e como lidar com elas. Da mesma forma, busco compreender a saudade do outro e como ele a sente, será que a sente? Algumas pessoas parecem não senti-la, ou somente não a expressam.
Veja bem, são tantas perguntas, poucas respostas.
Devo dizer que a sinto, algumas vezes. E ela arde como brasa, queima algo que não sei bem o que é, e se apaga, às vezes logo, às vezes tarde. Sei também que algumas me são passageiras, rápidas e efêmeras. Algumas tão  intensas que parecem insaciáveis, de modo que mesmo entrando em contanto com o que a causa, ela parece se multiplicar, é como querer mais, mais e mais um pouco. Neste último caso talvez nem seja saudade. O que poderia ser então... amor? Ah! Este é um assunto para outra prosa, outras divagações, outros drinks... Quero me ater agora somente a saudade... Essa que não tem tradução, mas que não existe somente para nós. Essa que acomete crianças, adolescentes, adultos ou idosos. Essa que nos torna saudosistas, chatos e repetitivos. Essa que incomoda, mas ao mesmo tempo parece ser algo delicioso de ser vivido. Essa que me parece charmosamente complexa e que me pego pensando... ou sentindo.
Essa que me faz pausar. Suspirar. E pirar.
Quero senti-la... Mas não posso ser egoísta...
Por isso...

Te convido agora a divagar: você sente saudades?
















quinta-feira, julho 04, 2013

Não uma, mas duas




Sem muitos protocolos tenho a ousadia de me comparar a uma moeda. Me soa semelhante demais a posse de duas faces, não dois Eus (talvez, quem sabe?!), mas duas facetas que vivem em intensa colisão.
Cara e Coroa para as faces das moedas, já as minhas não foram nomeadas, nem há necessidade para tal, - parece-me ilógico demais poder chamá-las por um nome se até pouco tempo nem me eram conhecidas. Com todas as ressalvas possíveis, estabeleço semelhanças entre minhas facetas e das moedas, estas últimas são possuidoras de diferentes características duais: podem ser boas e ruins, influentes ou com pouca influência, ter valor alto ou baixo valor, etc. Devo dizer que compartilho também de toda esta ambivalência, à minha moda, é claro, mas de modo muito próximo. É sabido que o dinheiro pode, por muitas vezes, favorecer acontecimentos muito bons, no entanto, pode prejudicar muitas relações. Dessa mesma forma,  entendo como posso a partir de minhas atitudes protagonizar boas situações, bem como ter atitudes detestáveis. Sim, enxergo em mim a possibilidade de fazer mal ao outro, vejo em você também, fazemos com ou sem consciência disso.

Como na realidade monetária, vejo dias em que tenho mais valor e dias que meu valor está bastante reduzido, tão capitalista isso, não?!

Não! Enxergo claramente as situações em que meu valor é latente e momentos em que simplesmente tanto faz. Fato este que implica diretamente no quão influente podemos ser, assim como o dinheiro e toda a sua representação mundial. A depender de seu valor uma moeda pode cruzar fronteiras, integrar idiomas e realizar grandes transações, dessa mesma forma, entendo que a depender do valor que represento para algo ou alguém me torno mais ou menos influente sobre.

Mas para além das moedas, quero me ater a outro tipo de dualidade que vivencio. A colisão constante que sinto acontecer e posso ver os resultados ao final, mas sem muito saber como acontecera.
Não espero sua compreensão a respeito disso, tentarei tratar de mim mesma de um modo bastante simples, não que o seja, mas dessa forma minimizo o estranhamento desta realidade.
Outrora, em um momento de alívio após uma escolha realizada com sucesso, atentei-me ao que antecedera a esta escolha: era ela, a dúvida. Não que ela me fosse estranha ou pouco sentida, mas dessa vez ela me ocorreu diferente. O passo seguinte foi entender o que causava esta dúvida. Não obtive muito sucesso em busca desta resposta, no entanto, entendi que até o momento de executar um fato já decidido tendo a derrapar nesta decisão, visto que outras opções apresentam-se mais apetitosas.
Posteriormente pude perceber claramente que para executar, de fato, a primeira decisão, era necessário que uma de minhas facetas fosse irredutível, forte e destemida. Assim, compreendi que meus anseios eram dinamizados a todo momento por mim mesma e dei luz à consciência de minhas duas faces: a que decide o que fazer mas logo sabota a si mesma e a que a todo momento prioriza a escolha primeira.
Que caótico! Talvez para você eu tenha me distanciado da analogia às faces da moeda, penso que sim, também. Mas entendo que a força proponente de minhas faces torna-me um ser humano em ebulição, e isso merecia ser dito, possivelmente como forma de deixar evadir um pouco desta fumaça que me sufoca.
Vejo também a possibilidade de melhor compreender a dinâmica destas duas faces, de modo que uma está o tempo todo tendo de apertar os cintos, fechar as portas, cerrar os dentes por conta da inconsistência de sua parceira. Em suma, devo dizer que uma necessita da pressão e cuidado da outra. Isso acontece para que a primeira possa tornar real sua decisão, sem medos, comodismos ou insegurança. É como uma criança que quer escorrer em um brinquedo, mas deve subir todas as escadas, diante do medo pensa em desistir, no entanto alguém de fora lhe ajuda e encoraja, dizendo que o resultado final será bom. Sem a força deste ambiente talvez as escadas tivessem barrado seu desejo.
E a cada alívio tenho certeza de que a pressão exercida obteve sucesso e eu pude desfrutar da minha vontade mais pura, original. Caso ocorresse o contrário teria, ao final, a sensação mais assustadora da vida: "E se...".
Por entre ebulições e evasões, busco dinamizar todas estas dualidades e colisões que me ocorre diariamente. Às vezes obtenho sucesso, por vezes me pego sussurrando:
...e se...

domingo, junho 02, 2013

Envelhescente

Já falei outrora de algumas coisas que só aprendemos quando vivenciamos. Só entendemos quando sentimos os sentidos aflorados, detectando todo o acontecimento.
Pois é, dessa vez eu vivenciei a finitude, a nossa finitude... a de quem amamos.
De maneira casual, corriqueira, simplória, - talvez! - mas vivenciei a mudança, a passagem do tempo, a inversão de papéis, o amor.
Talvez só entendemos realmente que o tempo passa, quando sentimos ele dando a opção ao ambiente de mudar tudo, inclusive nós.
Ao acaso, hoje, percebi que muita coisa mudou: não é mais  minha mãe que me orienta a atravessar a rua; não é mais ela quem me oferece um brinquedo ou vestido qualquer, nem tampouco que se preocupa com a minha alimentação.
Hoje sou eu!
Sou eu quem cuidou de olhar para os dois lados da avenida, quem buscou agradar seus gostos e quem cuidou de lhe dar uma bronca pelo que comia.
Senti, de forma latente, o tempo passar e enxerguei o presságio da inversão de papéis. Daqui pra frente a tendência é de que quem cuidou seja cuidada, e quem fora cuidada torne-se cuidadora.
Esta é mais uma das condições inerentes ao ser humano. E embora seja pesado demais afirmar esta inerência, é preciso que recebamos bem esta verdade.
Viver o envelhecimento é um processo custoso, que não envolve somente a quem envelhece, mas a todos que o amam.
Entre perdas de habilidades, de disposição e de vivacidade está a busca para que tudo isso não seja perdido. Agora eu sei que sou parte disso, assim como você também é para os envelhescentes que ama!, desejo poder esquentar o leite como fizera anteriormente e cuidar de seus caprichos como fizera com os meus.
Caminho assim, para o encontro de muitos envelhescentes e encontro-me também neste processo.
Logo será eu.
E você.
Todos nós.


sábado, abril 27, 2013

Sair da janela

Vez ou outra acontece de nos depararmos com situações em que estremecemos. Não um tremor de medo, mas um tremor de insegurança, da impossibilidade de saber o que vem depois. São n as situações em que somos assaltados por essa sensação e essas situações podem ser muito distintas.
Ambientes novos, experiências novas, novas atividades, relações diferentes, novas regras, diversas adaptações - no geral, a mudança de ambiente nos estremece. Mas minha preocupação talvez não seja essa, talvez o que tem me estremecido seja meu próprio ambiente "interior", aquele encoberto em que somente eu tenho acesso. Nem pessoas novas, nem novas condições, apenas eu mesma; e é esse todo o enigma.
Talvez devesse existir um protocolo no qual fossemos proibidos de nos sabotar e descrevesse como fazer isso. Não quero prender-me neste exagero (hipérboles me são típicas), mas devo dizer que venho me sabotando deliberadamente. E que situação penosa e oscilatória. É como prostrar-me numa janela e querer, por ali, enxergar todo o horizonte; ou no mais, tentar prever tudo que nele está presente - belezas, feiuras, pessoas, comportamentos ou surpresas.
Devo dizer que a tentativa é falha: a janela parece-me insuficiente para uma busca tão extensa e posso sentir o vento entrando por ela. 
Mas talvez todos os filósofos tenham razão, foram tantos pensamentos construídos para dizer que pouco vale uma condição de espectador. Fitar os olhos numa paisagem via janela, provavelmente não promoverá grandes mudanças, nem tampouco permitirá o alcance de grandes informações acerca do horizonte.
Quem sabe a melhor opção não seja a abrir a porta e sair por ela, buscando saciar as mesmas vontades e anseios, mas por um método diferente, talvez mais custoso. Quem sabe com um passo de cada vez o horizonte não seja visitado, vivido, gradativamente. Quem sabe caminhando conforme as pernas permitem o encontro não possa ser mais apropriado.
Falo de uma mudança, como muitos outros já falaram. Uma mudança de atitude, de comportamento, de escolhas. Uma mudança de espectador para ator. Uma mudança de método, de caminho.
E por mais que eu fale, por mais que disserte acerca de tudo isso ou gaste tempo pensando sobre qual a melhor forma de lidar com o que sinto, esbarro na pouca facilidade de praticar tudo isso. É como saber fazer a conta, organizar a sentença, mas ter medo de não chegar a um resultado correto, ou esperado.
É como escrever um texto emocionante, inteligente e ter medo de que a conclusão não seja a melhor, ou a esperada.
É como assistir um filme e sofrer com o final que ainda está por vir, com medo de não ser perfeito, ou o esperado.
E talvez seja esse o grande problema: esperar.
ESPERAR!

A conjugação deste verbo me é falha.
Muito falha!

domingo, março 31, 2013

TiqueTaque(ando) (terceiro conto)

E sem mais nem menos o ponteiro  do relógio notou-se atrasado. O maior deixou com que o menor avançasse suas horas, sem pedir que lhe esperasse. O tempo avançou demais e os minutos pareciam fracos perante a tentativa de alcançar as horas vividas.
Houve uma aceleração, no caos. E todo caos por si só já oferece um tanto de inquietude, quem dirá um caos conduzido por acelerações.
Estranheza, caoticismo, turbulências, ofegância, limitações e mais tudo aquilo que propõe a dura mudança de ritmo, de dias, de horas, de si mesmo.
E aquele ponteiro cansado e ofegante temia um dia não alcançar mais o compasso das horas. Temia um dia perder de vez a sincronia entre o amanhecer e o anoitecer. Temia, um dia, perder sua função. Sua única e reconhecida função. Temia, um dia, não saber mais contar minutos, um a um, até sessenta.
E tudo aquilo lhe angustiava, de um modo único, tímido, quietinho. Sentia-se desorbitado, a espera de diferentes colisões, as quais não conseguia nem mensurar.
No entanto, por entre as curvas dos relógios, por entre todos os trezentos e sessenta graus ali presentes ele esbarrava  em alguém, mais acelerado, mais vivido. Era o ponteiro dos segundos que teimava em lhe aconselhar, orientando que se acalmasse. Dizia ele:
- Nem sempre conseguiremos entender o porquê da pressa do tempo. Poucas vezes compreenderemos as consequências que a mudança em seu compasso pode nos causar. Mas espere! Em dado momento haverá nova sincronia temporal. Cedo ou tarde o relógio entenderá a nova dinâmica e acreditará nos benefícios do novo tiquetaquear, mesmo ainda parecendo desconfigurado demais. O todo passará a viver sob estas novas horas, estas que você ajudou a ritmar.
Acreditando nas palavras do sábio contador de segundos, o ponteiro continuou a traçar seu caminho. Não que tivera deixado de sentir a dor do descompasso, mas esperançoso, de modo a esperar pela nova sincronia.

sábado, março 09, 2013

'Recipiente-se'

Pequenas doses de um líquido podem se tornar bastante filosóficas quando se há possibilidade de um olhar além. Sendo assim, hoje não me foi incomum um recipiente com água, como em outros dias talvez o fosse.
De maneira peculiar pude perceber que ali dentro daquele recipiente havia um conteúdo pouco controlável, daqueles que não obedecem comandos e que não podemos organizar do modo que queremos. Um conteúdo um tanto disperso e intenso; o qual não existe maneira ou forma de se controlar por inteiro.
Ali dentro daquela amostra estava uma tentativa de contenção, de delineamento, de controle.
Um modo muito semelhante do que fazemos diariamente com tantos líquidos que desejamos derramar por aí, onde andamos. Buscamos, como algumas garrafas, assegurar que aquele líquido jamais caia ou extravase.
É algo estranho, mas simples ao mesmo tempo. São formas de tentarmos nos organizar e lidar com o que nós mesmos produzimos. Podemos ter sucesso ou não; até as garrafas se deixam vazar a depender da pressão. E como forma de cuidado, não podemos deixar que uma gota sequer respingue, pois muitas vezes não sabemos o grau de acidez desta.
Entretanto, vez ou outra cometemos uma falha, um deslize, ou uma tropeçada... e o líquido se perde. E, como já presumido, não há como resgatá-lo; ele invade lugares que não mensuramos.
Tenta-se secá-lo, absorvê-lo, limpar o estrago que fez, mas sua marca ali ficou, não há como negar, deve-se  apenas tomar cuidado com outros conteúdos para que transbordem também.
E de recipiente em recipiente buscamos controlar diversos líquidos, esperando não encontrar um recipiente que tenha seu conteúdo heterogêneo (o que não é incomum, vivemos nos misturando). Lidamos com alguns líquidos mais ácidos, outros mais doces, alguns límpidos outros mais escuros, alguns em pouca quantidade outros são como torrentes.
O desafio é entender ou saber o momento de se destampar e deixar-se evadir. Em poucos momentos da vida saberemos quando fazer isso certamente, - o que não garante não fazermos deliberadamente, como numa tempestade avassaladora.
E após o deságue, nos arrependeremos e tentaremos torcer panos como forma de recuperar o que foi perdido.
Enfim, observaremos: o líquido não voltará por completo e trará consigo outras substâncias. Não há mais homogeneidade.
Por isso, tampe-se bem ou deixe extravasar de vez o conteúdo que quer se embriagar.

Crescente amor (segundo conto)

E não existem regras para o amor, nem idade, já diziam alguns sábios leigos. E pode ser verdade...
Eram dois pequenos, grandes em sua infantilidade, alegres, sorridentes e vívidos. E dentro de possíveis conexões, conectaram-se.
Brincavam ele e ela. Faziam-se sorrir, ela e ele. Olhos brilhavam a cada encontro, a cada brincadeira partilhada, a cada abraço recíproco. Ali havia intensidade, e talvez ninguém percebera. Eram prazeres oferecidos de graça, uma relação de amor infantil... pode ser! Mas um amor daqueles que poucas pessoas, talvez, já puderam vivenciar. Era o início de um amor que não se sabia por onde caminharia; era incerto, assim como a vida propõe.
Com poucas reservas ela o observava. E dali saiam descrições puras, sem contaminações, reservas ou preconceitos. Uma relação simples que provavelmente adultos não vivenciam mais. Tudo se resolvia em um simples pedido de desculpa! Não havia chateações, mas sim correspondências: de olhares, de falas e de gestos.
Continuavam conectados.
E dentro deste contínuo que é a vida, seus sorrisos foram separados, trocas de olhares foram suspensas e suas brincadeiras cessadas. Não por motivos pontuais, mas por contingências incontroláveis do dia a dia.
Ele já não via todos os dias sua pequena princesa.
Ela já não poderia mais observá-lo rotineiramente, como adorava.
Por deveras vezes foram pronunciadas palavras que correspondiam ao que comumente chamamos de Saudade. Sentiam a ausência. Sentiam falta do que construíram e do que puderam reconhecer do outro. Olhos enxiam-se de lágrimas; estas rolavam, molhando um sentimento que outrora fora construído como peças de lego que se encaixam perfeita e coloridamente.
Ah, sim! Era um pequeno amor, daqueles que enchem dois corações. O começo de um amor, com uma nuance diferente da amizade, quem sabe. Mas não há como saber, há como viver, apenas.
E vivendo, por entre as intempéries, ambos puderam encontrar-se novamente.
Com êxito, êxtase, brilho, ímpeto e vontade. Aquele fora um encontro desejado, como poucas pessoas esperam por encontrar alguém, um dia. Uma saudade que não fora cessada, mas traduzida em um grande abraço. Uma conexão atualizada, sentida como em tempos atrás. Um encanto que fora registrado, querendo mais. Ali estavam dois sorrisos correspondidos e espontâneos, revestidos de uma dose de timidez (tendências humanas não lhes seriam negadas). Sentiam-se felizes e completos, mas querendo mais..
Um lindo dia. Duas crianças. Um pequeno amor.
Uma grande vida. Uma prematuridade esperando crescimento.
Dali sairiam várias possibilidades...

sábado, março 02, 2013

Quisera

Estranho é sempre querer o que não se tem
Ou o que não se pode ter.
É como a água do mar
Aspirar ser estranha e doce
Com sua escuridão e profundidade
É como o pássaro querer
Ultrapassar o limite do
mais alto que pode ir.

É como a criança
Que deseja ser grande
Sem antes aprender a engatinhar
Ou falar
É como saber engatinhar
E querer correr maratonas
É como ser estrela e querer ser lua
Ou sol, quem diria!


É como ser brisa
E aspirar ser ventania
É como transbordar um recipiente vazio
É como ser crente
Sem crer em nada
É como crer em tudo
E ser um grande duvidoso de todos
E de si mesmo, pasmem!

É como ser Caetano
Querendo ser Gil
É como acordar pela manhã
E querer dormir mais
É como Vinícius poetizou certa vez:
Um contentamento descontente
É como sentir intensa
E vividamente.

sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Uma dose

Como uma brasa fervorosa, por vezes, sentimo-nos queimar.
E da boca pra fora falamos que esquecemos e tudo parece superado, de verdade. Sem querer, ou querendo, você engana a si mesmo...
Mas é o primeiro a se desvendar, tão logo!
Tudo parecia ter sido diluído, afinal,  nada como uma boa dose de resignação com umas pedras de conformismo.
Mas que combinação pouco apetitosa, não é mesmo?!
Acredito que podemos nos servir de doses melhores mas, hora ou outra um copo desses teremos que encarar. 
Não que eu seja adepta aos drinks ruins, mas você há de concordar comigo: a vida nos faz conivente com eles! Não que isso signifique concordância. Não, não... é justamente pelo contrário que teço essas palavras: não me conformo com minha última dose degustada. Talvez não me conforme pelos ingredientes que o compunham. Eram refinarias que não costumam frequentar minhas prateleiras. E ao provar, senti o gosto amargo, que matou a expectativa de algo refrescante, doce e envolvente, rendendo uma boa ressaca de frustração.
No entanto, por um espaço curto de tempo acreditei tê-la apreciado. Pasme! Ninguém muda de conduta tão facilmente (mudanças exigem um processo, quase nunca fácil). E eu não poderia fugir à regra - esbaldar-me na bebida que não me apetece não combina com o que conheço de mim mesma. Não combina com o que construí, não é congruente com minhas atitudes conhecidas e, mais amargo ainda... alterou o paladar de minhas expectativas pessoais.
E agora, neste exato momento, estou na fase crucial: a de reavaliações.
E para sistematizá-las basicamente, eu diria que a primeira consiste na reavaliação do porquê o garçom me serviu aquele drink - devo levar em consideração diversas variáveis neste processo.

A segunda, diz respeito à reavaliação da necessidade de aceitar novos paladares e variâncias - talvez a aceitação desta essência esteja intimamente ligada ao processo necessário, que comentei anteriormente.

A terceira, talvez não a última, mas a que me ocorre agora, corresponde à reavaliação da crença de que todas as variáveis anteriormente reavaliadas tenham um propósito maior, quem sabe uma boa surpresa ao final de um grande esforço (deixando uma visão pragmática, quem nunca pensou em propósitos maiores para situações de pouca conformidade?).

Acontece que a brasa fervorosa voltou a arder, e eu acreditava estar apagada.
Agora não sei bem como fazer todas essas reavaliações. Nem sei também se devo. A probabilidade delas terem poucas respostas conclusivas é grande, e talvez isso aumente a minha crença de que não valerão todos os esforços.
Por agora, procuro um novo bar, com novos garçons, novos drinks... novas composições.

E talvez seja essa a resposta: quando o drink não lhe agrada mais é hora de mudar de bar. Nem sempre é válida a tentativa de análise de muitas variáveis. Às vezes o garçom não lhe agrada mais, e aquele drink...

Ah! Aquele drink espera por outros paladares. Somente.
E você, tem apreciado as doses que lhe servem?!

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

O outro (primeiro conto)

E o problema não é lidar com o que não se tem. O problema é lidar com o que se acha que deveria ter.
Desde pequena mostrou-se segura de si mesma, convicta e cheia de aspirações. Seus dias sempre foram regados por muitas aprovações. Ela parecia fazer tudo certo - ou quase tudo, seus erros nunca foram exorbitantes.
As mudanças não pareciam bichos de sete cabeças, afinal sua segurança lhe firmava um respaldar sólido e forte. Temer era inevitável, afinal, para além de sua segurança, as dúvidas sempre lhe foram comuns - seu lado humano sempre fora evidente.
Os dias passavam, oferecendo verões e invernos, para que ela aprendesse a viver sob diferentes condições. Ela vivia.
E juntos cresciam, os dias e ela.
Por algumas vezes viu-se encarcerada em si mesma, com sua pior vilã. Eram batalhas terríveis, dolorosas, sofridas e penosas. No entanto, nenhuma delas fora terminada sem o brilho de um sorriso vivificador.
Pequena e grande ao mesmo tempo, na verdade sempre foi difícil mensurar sua estatura. Enquadramentos sempre lhe foram desafiadores.
Quando deitada, a janela de seu quarto oferecia a possibilidade de ver a passagem do tempo.
Ela crescia!
Seus brinquedos lhe pareciam objetos inúteis; suas melhores graças eram conquistadas pelas palavras. Ela adorava falar; e fazia isso muito bem.
Tudo sempre lhe foi transitório: seus pensamentos, as pessoas, seus brinquedos e seus dias. E assim, entre sorrisos e choros ela se deparou frente a escolhas difíceis. Mas escolhas difíceis sempre parecem fáceis demais depois de escolhidas. Ela detestava a sensação de sofrimento em vão, mas nunca o conseguia economizar.
E dentre escolhas e opções, sofrimentos e boas surpresas, ela se deparou com o seu "não lugar", com suas "não possibilidades" e com suas "não preferências".
Não lhe foi estranho perceber que alguns lugares lhe eram incompatíveis. Não, quando a incompatibilidade era imposta por si mesma.
Não lhe foi sofrido perceber que era incapaz de executar algumas coisas. Não, quando a incapacidade referia-se a algo de pouco interesse seu.
Não lhe foi constrangedor perceber que não era escolhida em determinadas situações. Não, quando as situações pareciam inferiores a ela.
Os dias corriam.
Seu relógio tornou-se um amuleto da sorte ou um grande temorizador. Ela tornou-se habilidosa com o tempo, mas este sempre lhe pareceu mais veloz.
E entre a velocidade do tempo e a rapidez dos dias, ela notou que estava presa. Algemada pelas crenças dos outros! Acreditava em si mesma porque os outros lhe acreditavam.
A pequena apenas precisava chorar.
Descobriu que o choro aliviava essas amarras, dando acesso às suas fraquezas - até então percebidas apenas por ela mesma.
Seu relógio lhe provava constantemente que não era possível parar. E ela continuou.
Continuou e percebeu que o que ela queria, podia não acontecer.
Caminhou e notou que o que acreditou ser seu, na verdade não era.
Correu e percebeu que o que os outros lhe diziam não era verdade absoluta, eles viam apenas de um ângulo.
Divagou e encontrou outros olhares; outros interesses; alguns Talvez para os seus desejos, outros 'Quem sabe' para suas propostas e Nãos para o que lhe parecia Sim.
Sentou e entendeu que não era insubstituível.
Deitou e mensurou o quanto o outro lhe influenciava. Chorou.

Acordou e exclamou:
- Devo continuar!






quarta-feira, janeiro 30, 2013

Quebra-cabeça

Com o passar dos dias é possível perceber que alguns acontecimentos sempre se farão presentes no percurso da vida. Aquele papo de momentos inconstantes é verdadeiro, não é balela. Existem sim aqueles momentos em que estamos mais sensíveis e inseguros, desconfiando de tudo e de todos, inclusive de si mesmo - talvez mais propensos a episódios melancólicos.
Mas não são à toa estes momentos. Talvez todas as experiências que vivenciamos tenham função de ensinar muitas outras coisas, para além do fato vivido. Está aí uma grande capacidade humana, a generalização e relação. E na verdade, essa é uma característica bastante marcante em nossa espécie: adoramos generalizar coisas, atitudes e pessoas - quase nunca de maneira saudável, generalizações são sempre perigosas. Mas, por vezes, algumas relações que somos capazes de estabelecer permitem-nos um crescimento inesperado.
Sem muitas reservas tenho a ousadia de comparar nosso ciclo de vida a um quebra-cabeça. Sim, somos um emaranhado de peças que a cada dia tenta se encaixar, se entender... buscar sentido. 
E na verdade isso que proponho não é muito além do que podemos imaginar. Somos pegos de surpresas a todo momento, desde o momento que acordamos, ao sair e enfrentar nossas relações. Que baita desafio!
A cada exposição que nos permitimos, a cada análise de experiências, a cada interpretação pessoal somos capazes de integrar uma peça em nosso quebra-cabeça. É como compor uma imagem para que se torne homogênea, nítida e coesa. No entanto, os dias nunca são iguais, nem tampouco lineares. Sempre há um momento de ventania, daquelas que chegam quando a janela está aberta, leva tudo.
Inclusive o quebra-cabeça.
O que estava construído ruiu, o que tinha sentido desfaleceu-se, o que encaixava perdeu-se. Talvez a figura tenha mudado de aparência, os traços tenham sido aperfeiçoados. A partir daí a busca será outra, sendo iniciada por um repertório desorganizado, mas capaz de excluir possíveis vivências de pouco sucesso. A busca agora não será pelo mesmo caminho: ao diluir peças, o vento mostrou novos atalhos, quem sabe novas possibilidades.
Monta, desmonta, tira, troca e vira. Pensa, repensa, tenta, encaixa, sorri. Bagunça!
Este ciclo tende a se repetir inúmeras vezes, talvez sem expectativa de produto final. Afinal, vivemos continuamente, sempre passíveis de uma ventania inesperada.

Por isso, feche bem as janelas. Ou então permita-se sempre se remontar. 

Quem sou eu

Minha foto
A mesma de sempre com inúmeras alterações.