domingo, março 31, 2013

TiqueTaque(ando) (terceiro conto)

E sem mais nem menos o ponteiro  do relógio notou-se atrasado. O maior deixou com que o menor avançasse suas horas, sem pedir que lhe esperasse. O tempo avançou demais e os minutos pareciam fracos perante a tentativa de alcançar as horas vividas.
Houve uma aceleração, no caos. E todo caos por si só já oferece um tanto de inquietude, quem dirá um caos conduzido por acelerações.
Estranheza, caoticismo, turbulências, ofegância, limitações e mais tudo aquilo que propõe a dura mudança de ritmo, de dias, de horas, de si mesmo.
E aquele ponteiro cansado e ofegante temia um dia não alcançar mais o compasso das horas. Temia um dia perder de vez a sincronia entre o amanhecer e o anoitecer. Temia, um dia, perder sua função. Sua única e reconhecida função. Temia, um dia, não saber mais contar minutos, um a um, até sessenta.
E tudo aquilo lhe angustiava, de um modo único, tímido, quietinho. Sentia-se desorbitado, a espera de diferentes colisões, as quais não conseguia nem mensurar.
No entanto, por entre as curvas dos relógios, por entre todos os trezentos e sessenta graus ali presentes ele esbarrava  em alguém, mais acelerado, mais vivido. Era o ponteiro dos segundos que teimava em lhe aconselhar, orientando que se acalmasse. Dizia ele:
- Nem sempre conseguiremos entender o porquê da pressa do tempo. Poucas vezes compreenderemos as consequências que a mudança em seu compasso pode nos causar. Mas espere! Em dado momento haverá nova sincronia temporal. Cedo ou tarde o relógio entenderá a nova dinâmica e acreditará nos benefícios do novo tiquetaquear, mesmo ainda parecendo desconfigurado demais. O todo passará a viver sob estas novas horas, estas que você ajudou a ritmar.
Acreditando nas palavras do sábio contador de segundos, o ponteiro continuou a traçar seu caminho. Não que tivera deixado de sentir a dor do descompasso, mas esperançoso, de modo a esperar pela nova sincronia.

sábado, março 09, 2013

'Recipiente-se'

Pequenas doses de um líquido podem se tornar bastante filosóficas quando se há possibilidade de um olhar além. Sendo assim, hoje não me foi incomum um recipiente com água, como em outros dias talvez o fosse.
De maneira peculiar pude perceber que ali dentro daquele recipiente havia um conteúdo pouco controlável, daqueles que não obedecem comandos e que não podemos organizar do modo que queremos. Um conteúdo um tanto disperso e intenso; o qual não existe maneira ou forma de se controlar por inteiro.
Ali dentro daquela amostra estava uma tentativa de contenção, de delineamento, de controle.
Um modo muito semelhante do que fazemos diariamente com tantos líquidos que desejamos derramar por aí, onde andamos. Buscamos, como algumas garrafas, assegurar que aquele líquido jamais caia ou extravase.
É algo estranho, mas simples ao mesmo tempo. São formas de tentarmos nos organizar e lidar com o que nós mesmos produzimos. Podemos ter sucesso ou não; até as garrafas se deixam vazar a depender da pressão. E como forma de cuidado, não podemos deixar que uma gota sequer respingue, pois muitas vezes não sabemos o grau de acidez desta.
Entretanto, vez ou outra cometemos uma falha, um deslize, ou uma tropeçada... e o líquido se perde. E, como já presumido, não há como resgatá-lo; ele invade lugares que não mensuramos.
Tenta-se secá-lo, absorvê-lo, limpar o estrago que fez, mas sua marca ali ficou, não há como negar, deve-se  apenas tomar cuidado com outros conteúdos para que transbordem também.
E de recipiente em recipiente buscamos controlar diversos líquidos, esperando não encontrar um recipiente que tenha seu conteúdo heterogêneo (o que não é incomum, vivemos nos misturando). Lidamos com alguns líquidos mais ácidos, outros mais doces, alguns límpidos outros mais escuros, alguns em pouca quantidade outros são como torrentes.
O desafio é entender ou saber o momento de se destampar e deixar-se evadir. Em poucos momentos da vida saberemos quando fazer isso certamente, - o que não garante não fazermos deliberadamente, como numa tempestade avassaladora.
E após o deságue, nos arrependeremos e tentaremos torcer panos como forma de recuperar o que foi perdido.
Enfim, observaremos: o líquido não voltará por completo e trará consigo outras substâncias. Não há mais homogeneidade.
Por isso, tampe-se bem ou deixe extravasar de vez o conteúdo que quer se embriagar.

Crescente amor (segundo conto)

E não existem regras para o amor, nem idade, já diziam alguns sábios leigos. E pode ser verdade...
Eram dois pequenos, grandes em sua infantilidade, alegres, sorridentes e vívidos. E dentro de possíveis conexões, conectaram-se.
Brincavam ele e ela. Faziam-se sorrir, ela e ele. Olhos brilhavam a cada encontro, a cada brincadeira partilhada, a cada abraço recíproco. Ali havia intensidade, e talvez ninguém percebera. Eram prazeres oferecidos de graça, uma relação de amor infantil... pode ser! Mas um amor daqueles que poucas pessoas, talvez, já puderam vivenciar. Era o início de um amor que não se sabia por onde caminharia; era incerto, assim como a vida propõe.
Com poucas reservas ela o observava. E dali saiam descrições puras, sem contaminações, reservas ou preconceitos. Uma relação simples que provavelmente adultos não vivenciam mais. Tudo se resolvia em um simples pedido de desculpa! Não havia chateações, mas sim correspondências: de olhares, de falas e de gestos.
Continuavam conectados.
E dentro deste contínuo que é a vida, seus sorrisos foram separados, trocas de olhares foram suspensas e suas brincadeiras cessadas. Não por motivos pontuais, mas por contingências incontroláveis do dia a dia.
Ele já não via todos os dias sua pequena princesa.
Ela já não poderia mais observá-lo rotineiramente, como adorava.
Por deveras vezes foram pronunciadas palavras que correspondiam ao que comumente chamamos de Saudade. Sentiam a ausência. Sentiam falta do que construíram e do que puderam reconhecer do outro. Olhos enxiam-se de lágrimas; estas rolavam, molhando um sentimento que outrora fora construído como peças de lego que se encaixam perfeita e coloridamente.
Ah, sim! Era um pequeno amor, daqueles que enchem dois corações. O começo de um amor, com uma nuance diferente da amizade, quem sabe. Mas não há como saber, há como viver, apenas.
E vivendo, por entre as intempéries, ambos puderam encontrar-se novamente.
Com êxito, êxtase, brilho, ímpeto e vontade. Aquele fora um encontro desejado, como poucas pessoas esperam por encontrar alguém, um dia. Uma saudade que não fora cessada, mas traduzida em um grande abraço. Uma conexão atualizada, sentida como em tempos atrás. Um encanto que fora registrado, querendo mais. Ali estavam dois sorrisos correspondidos e espontâneos, revestidos de uma dose de timidez (tendências humanas não lhes seriam negadas). Sentiam-se felizes e completos, mas querendo mais..
Um lindo dia. Duas crianças. Um pequeno amor.
Uma grande vida. Uma prematuridade esperando crescimento.
Dali sairiam várias possibilidades...

sábado, março 02, 2013

Quisera

Estranho é sempre querer o que não se tem
Ou o que não se pode ter.
É como a água do mar
Aspirar ser estranha e doce
Com sua escuridão e profundidade
É como o pássaro querer
Ultrapassar o limite do
mais alto que pode ir.

É como a criança
Que deseja ser grande
Sem antes aprender a engatinhar
Ou falar
É como saber engatinhar
E querer correr maratonas
É como ser estrela e querer ser lua
Ou sol, quem diria!


É como ser brisa
E aspirar ser ventania
É como transbordar um recipiente vazio
É como ser crente
Sem crer em nada
É como crer em tudo
E ser um grande duvidoso de todos
E de si mesmo, pasmem!

É como ser Caetano
Querendo ser Gil
É como acordar pela manhã
E querer dormir mais
É como Vinícius poetizou certa vez:
Um contentamento descontente
É como sentir intensa
E vividamente.

Quem sou eu

Minha foto
A mesma de sempre com inúmeras alterações.