quarta-feira, julho 10, 2013

Monólogo (Quarto conto)

Um campo, uma árvore, a ventania.
Este era o cenário que dava berço a diversas tardes daquela garota. Aquelas tardes em que quietinha ficava sobre as raízes da árvore, ensimesmada.
Dali podia ver a linha do horizonte, marcada por aquele campo vasto. Podia sentir o vento dar um nó, bagunçando seus cabelos compridos, e o calor do sol fazer tremer a paisagem. Dali podia sentir-se, falar-se, amar-se e odiar-se. Tudo intensamente, timidamente, livremente... ela estava só. Ali estava o cenário perfeito, a paisagem de um quadro bonito, um foto intrigante e sublime.
 Minutos, horas, longas tardes, algumas manhãs, poucas noites. Esse foi o tempo em que a garota despendia naquele cenário. Tempos que lhe davam a oportunidade de sentir o sopro, não do vento, mas de si mesma. Um sopro inquietante, daqueles que tira o ar por um tempo, que conserta e desconserta, que compõe e descompõe. Podia sentir o pulsar de seu coração e o ritmo que tocava. Ela era pequena aos olhos do outro, pouco lhe levavam a sério. Menor parecia naquele campo, mas nunca deixava de sentar sob a árvore.
Os anos passaram, muitas copas da árvore foram trocadas. Muitos outonos e primaveras foram vividos, no entanto, ela nunca deixara de visitar seu cenário preferido e contemplar suas cores, que pareciam diferentes a cada estação. Para ela o tempo também passava e junto desta passagem sentia que suas cores também mudavam, ora reluzentes, ora opacas.. aprendia a lidar com elas.
Não era mais um garotinha, estava no momento em que todos lhe pareciam incômodos demais. Essa foi a época em que mais visitou seu cenário. Fora uma época em que o vento parecia mais turbulento, o horizonte mais distante e as raízes da árvore pouco confortáveis. Mas permaneceu ali, constantemente.
Na verdade pouco entendia por que frequentava aquele campo. Sabia que ali se sentia calma, mas também sabia que todo aquele silêncio lhe causava muita irritação, e nesses momentos lançava pedras com mais força, como numa tentativa de expulsar o que lhe incomodava. Mas não era a pedra, ela sabia.
Durante um tempo pensou em abandonar aquelas visitas, havia cansado de encenar aquele monólogo e tinha enjoado daquele cenário.
Continuou crescendo, os anos difíceis de rebeldia tinham sido superados. Outros conflitos lhe eram propostos, outras pessoas lhe afetavam, seu olhar era mais intenso. Tudo estava mudado, sentia saudades daquele cenário, aquele campo, aquela raiz incômoda. Enfim, revisitou seu lugar, aquele que passara tanto tempo há anos atrás.
Tomou coragem e reviveu sensações intensas e organizou suas novas percepções, medos e angústias. Ela estava sob a árvore que agora lhe parecia menor do que de costume, tinha pedras na mão como sempre fizera. Era uma tentativa de se encontrar novamente, poder conversar consigo mesma. Voltou a soltar palavras ao vento e mesmo que ele as levasse para longe, dentro dela elas pareciam voltar tratadas e mais ricas de sentido. Adorava falar para si mesma e para o horizonte. Sentiu novamente o vento bater em seu corpo e seus medos se arrepiarem. Gostava daquela sensação, daquela solitária sensação de estar consigo mesma. Sentiu por não poder frequentar aquele lugar como antes o fazia; sentiu por não poder sentir-se, falar-se, amar-se e odiar-se como antes...
Ali, naquele campo, pôde entender o real sentido de todas suas visitas solitárias e a vontade de sempre voltar até lá. Descobriu que havia uma forma de organizar-se, mesmo que aparentemente, e era assim, na sombra da árvore, sob as nuvens andantes.
Lamentou profundamente por não poder estar mais ali, deixou-se rolar uma lágrima. O céu já estava escurecendo, o sol já havia se posto. Era hora de ir. Voltar para o mundo que não é só seu, que é de tantos outros. Levantou-se e despediu-se daquele lugar que a colocava de frente com alguém que lhe era tão familiar, ela mesma.
Andou passos calmos, pesados e lentos, distanciando-se do palco de seus monólogos. Quando longe estava, fitou aquela paisagem para não esquecê-la posteriormente. Queria aquele lugar sempre em sua lembrança. Já distante, mas não menos pensativa, percebeu que aquele cenário se fazia vivo a cada momento em que se propunha estar consigo mesma. Percebeu que era capaz de fazer viva aquela árvore, mesmo que fosse em outro lugar.
Entendeu que o tempo todo aquele campo representava o tempo, vasto e mutável; aquele vento seus pensamentos, que ora eram calmos, ora avassaladores; e aquela árvore era ela mesma, uma garota, uma moça, uma mulher.
Aquele lugar agora lhe fazia sentido. Talvez ele nunca tivesse existido; muito provavelmente ele nunca existiu.
Era sempre ela. Somente ela. Buscando, em sua condição de árvore, encontrar um vento que lhe podasse calmamente, que suavizasse a transformação.
Era ela, seu próprio palco: o campo, a árvore e a ventania.












Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem sou eu

Minha foto
A mesma de sempre com inúmeras alterações.